Intolerâncias e alergias alimentares: descubra suas diferenças

Dra. Camila Torres
Dra. Camila Torres

Médica - CRM/AL 8636

Entenda mais sobre as diferenças entre intolerância e alergia alimentares, quais os possíveis sinais de alerta, e como solucionar esses problemas de saúde, que estão cada vez mais comuns na população.

Intolerâncias e alergias alimentares

Você conhece pessoas que se reconhecem alérgicas e/ou intolerantes a algum alimento? Muitas? Pois bem, saiba que o glúten, o leite de vaca, o ovo, a soja, o trigo, o amendoim e os crustáceos, são potencialmente danosos para alguns indivíduos, que são predispostos geneticamente, e/ou hipersensíveis devido a fatores ambientais.

Estima-se que cerca de 2 a 4% dos adultos e 6% das crianças possuem algum tipo de alergia alimentar. Nas intolerâncias alimentares, há a estimativa de que atinge de 2 a 20% da população mundial. Daí, a importância de conhecermos bem o que são essas condições, e como podem afetar o nosso corpo. 

Constantemente, as palavras “alergia” e “intolerância” são confundidas e grande parte das pessoas as tratam como sinônimos. Ambas são reações adversas não-tóxicas a alimentos, porém, bem distintas entre si.

Intolerâncias e alergias alimentares
Intolerâncias e alergias alimentares. Fonte: Canva.

O que é intolerância alimentar?

A intolerância alimentar é um distúrbio não imunomediado do trato gastrointestinal, ou seja, não é causada pela nossa imunidade, mas sim pelo funcionamento inadequado do sistema digestivo. 

Ela pode ocorrer devido a diminuição ou ausência de uma enzima, que faz a digestão de um determinado alimento. Também, o alimento ingerido pode conter uma substância de difícil processamento pelo sistema digestivo, causando uma toxicidade ao corpo. Tudo isso culmina no desenvolvimento da intolerância.  

Como exemplo, temos a intolerância ao glúten não celíaca, à lactose, ao álcool, ao fermento, à cafeína, aos frutanos, aos polióis e às aminas vasoativas dos queijos curados (tiramina), queijos fermentados, tofu, extrato de levedura, chocolate, vinho tinto.

A intolerância é mais comum, menos grave e demora mais para manifestar seus sintomas do que a alergia alimentar. Pode acometer qualquer indivíduo, mesmo que não tenha história familiar positiva para a doença.

Sintomas da intolerância alimentar

Os sintomas geralmente aparecem de forma tardia. Eles podem ser digestivos (mais comum) e/ou sistêmicos:

  • Flatulência (eliminação de gases)
  • Meteorismo intestinal (excesso de gases)
  • Náuseas
  • Cólicas abdominais
  • Alteração do hábito intestinal (diarreia ou constipação)
  • Fezes ácidas
  • Má absorção dos nutrientes
  • Ferimento na região anal
  • Tremores e sudorese
  • Vermelhidão cutânea, acne, rosácea, psoríase
  • Ansiedade e depressão
  • Insônia
  • Enxaqueca
  • Dores musculares, artrite
  • Asma, bronquite

A intensidade dos sintomas está diretamente relacionada com a quantidade ingerida do alimento, ou seja, quanto mais se come, mais se sente os efeitos da intolerância. 

Diagnóstico

O diagnóstico da intolerância alimentar é, muitas vezes, demorado e difícil. Ele é feito após uma investigação bem detalhada sobre a história clínica do paciente e seus hábitos alimentares. 

A partir disso, o médico irá levantar a hipótese de alguns alimentos serem a causa da intolerância, e será realizado o Teste de Provocação Oral (TPO)

O teste consiste em excluir da dieta os alimentos suspeitos da intolerância até o desaparecimento dos sintomas. Em seguida, os alimentos excluídos são inseridos novamente um a um, com intervalo, em média, de 2 semanas entre cada um deles. Então, é observado se há o reaparecimento dos sintomas, durante a reintrodução dietética.

Tratamento da intolerância alimentar

O tratamento eficaz é restringir e até mesmo excluir da dieta o alimento implicado na intolerância.

É válido ressaltar que, quando se tem uma restrição de algum alimento da dieta, deve ser realizada uma adequação nutricional. Isso garante que todos os nutrientes sejam consumidos de maneira adequada pelo indivíduo. Por exemplo, ao excluir o leite e todos os seus derivados pode haver deficiência de cálcio, e necessidade de compensação alimentar ou suplementação. 

Esta avaliação poderá ser feita por um médico especialista como o nutrólogo.

O que é alergia alimentar?

A alergia alimentar é um distúrbio da imunidade, mediado por anticorpos produzidos pelas células de defesa do corpo. O nosso sistema imunológico não reconhece as proteínas do alimento ingerido (alérgeno), causando uma reação contra essas substâncias consideradas “estranhas”. 

Este evento pode ser causado por hipersensibilidade mediada por células e/ou por anticorpos do tipo imunoglobulina E (IgE). Na reação alérgica induzida por IgE, há o aparecimento rápido de sintomas, e possibilidade de evoluir para quadros clínicos mais graves, como a anafilaxia.

Para que ocorra o processo alérgico, não necessariamente precisa haver a ingestão, algumas vezes, basta apenas tocar e/ou cheirar o alimento.

Os alimentos, cujas proteínas tendem a causar mais alergias, são: o leite, o ovo, os frutos do mar (camarão, polvo, lula), o peixe, a soja, as frutas cítricas (laranja, tangerina), o kiwi, a mostarda, o trigo, o amendoim.

Pessoas de qualquer idade podem desenvolver alergia alimentar, apesar de ser mais comum logo na primeira infância.

Fatores de risco associados à alergia alimentar, são: criança do sexo masculino, asiáticos e africanos, atópicos, ausência de aleitamento materno ou desmame precoce, deficiência de vitamina D, carência de ácidos graxos poliinsaturados do tipo ômega 3, diminuição da ingesta de antioxidantes, uso de antiácidos que dificulta a digestao dos alérgenos, e doenças inflamatórias crônicas como a obesidade.

Intolerâncias e alergias alimentares
Intolerâncias e alergias alimentares. Fonte: Canva.

Sintomas da alergia alimentar

Os sintomas tendem a se manifestar rapidamente, e até mesmo serem imediatos. Mas também, podem vir tardiamente. Como exemplo, temos:

  • Náuseas e vômitos
  • Urticária
  • Edema (inchaço)
  • Prurido e dormência na boca
  • Sangramento retal 
  • Inflamação do intestino e do esófago
  • Vermelhidão, erupções cutâneas, dermatite atópica
  • Atraso de crescimento em crianças
  • Dificuldade em respirar e/ou respiração ruidosa 
  • Tosse seca
  • Hipotonia (moleza) 
  • Desmaio
  • Síndrome da alergia oral: inchaço, vermelhidão, coceira e sensação de queimação nos lábios, língua, palato e garganta.
  • Enxaqueca

 

Nos bebês, cólicas, choro excessivo e ausência de ganho de peso chamam atenção para a possibilidade de alergia alimentar. Pode vir acompanhado de vômitos, má aceitação alimentar, alteração do hábito intestinal (diarreia ou constipação) ou sintomas dermatológicos como a dermatite atópica. Ainda há casos relacionados com hiperatividade e epilepsia.

Diagnóstico

O diagnóstico da alergia alimentar, geralmente, é mais fácil do que na intolerância. Como o quadro clínico se instala rapidamente após a ingestão do alimento, é provável se identificar o culpado e excluí-lo da dieta. 

Para isso, é necessária avaliação médica. Na nutrologia, será feita uma abordagem personalizada, investigando os hábitos alimentares e de que forma isso pode estar comprometendo a saúde do paciente.

Uma vez estabelecido o diagnóstico de alergia, o paciente será encaminhado para acompanhamento multiprofissional com o alergologista.

Alguns testes podem ser tentados como o Teste de Provocação Oral, já explicado anteriormente.

Além disso, podem ser solicitados exames complementares como hemograma para ver eosinofilia, e o Skin Prick Test, em que substâncias que poderiam causar alergia são colocadas no antebraço ou no dorso do paciente.

Também pode ser solicitado o teste alérgico IGE-RAST feito pelo método ImmunoCAP clássico ou o teste molecular ImmunoCAP ISAC, que dosam anticorpos IgE específicos de um alérgeno no sangue, sendo indicados para casos mais complexos, de difícil controle.

Em alguns casos específicos, também é possível solicitar endoscopia digestiva alta e/ou colonoscopia com biópsias de segmentos do trato gastrointestinal, para avaliar alterações na mucosa como a presença de infiltrado eosinofílico.

Exames coprológicos como a pesquisa de sangue oculto nas fezes ou a dosagem da calprotectina fecal, eventualmente são solicitados.

Tratamento da alergia alimentar

Nas urgências e emergências

Em caso suspeito de alergia alimentar, deve ser descontinuado imediatamente o consumo ou contato com o alimento.

A pessoa deve ficar em observação contínua em unidades de pronto atendimento, até alívio dos sintomas, e se necessário, ser encaminhada para  internação hospitalar. 

Nessa fase, é fundamental que se atente para evolução a quadros mais graves de edema de glote e/ou choque anafilático, definindo-se anafilaxia e será feito uso imediato de epinefrina intramuscular na coxa (vasto lateral).

Após anamnese minuciosa, exame físico presencial, e observação inicial, poderá ser prescrito uma receita de anti-histamínico e/ou corticoides orais, nebulização de agente broncodilatador, antieméticos e/ou antiespasmódicos) e soluções hidratantes, dependendo dos sintomas apresentados.

Após se recuperar da reação alérgica, é importante que a pessoa tenha o plano de ação por escrito, contendo o nome do alérgeno conhecido e com fatores desencadeantes e nome de medicações a serem administradas (uso de auto aplicador de adrenalina). 

Nos consultórios médicos

A pessoa deverá restringir totalmente o alimento culpado da dieta. É válido ressaltar que, quando se tem a exclusão de algum alimento da alimentação habitual, deve ser realizada uma adequação nutricional, por um especialista, que é o alergologista, e também o nutrólogo para acompanhamento. 

Um estudo recente, para avaliar a ligação entre o uso de probióticos e a proteção de alergias e hipersensibilidade na criança, mostrou um efeito protetor quando os probióticos foram utilizados no pré-natal pelas gestantes, ou precocemente nos primeiros meses de vida pelo bebê. 

Especialistas da Organização Mundial de Alergia (WAO) sugerem suplementar prebióticos em lactentes que não estão em aleitamento materno exclusivo, para prevenir doenças alérgicas, e diminuir a chance de asma/sibilância recorrente e alergia alimentar.

Além disso, há novas perspectivas de tratamento para alergia alimentar, que são biomarcadores, imunoterapia por diversas vias de administração, imunobiológicos, alérgenos modificados. 

Algumas medidas, que podem ser feitas para prevenir a alergia alimentar, consiste em ter uma dieta variada e equilibrada na gravidez, exposição precoce do bêbê à alérgenos (brincar na areia, contato com animais domésticos), e manter o aleitamento materno exclusivo.

Intolerâncias e alergias alimentares.
Intolerâncias e alergias alimentares. Fonte: Canva.

Busque ajuda profissional

O acompanhamento de intolerâncias e alergias alimentares é multiprofissional. As pessoas acometidas por essas patologias precisam reconhecê-las o quanto antes, e buscar ajuda médica. 

Situações de alergias graves (anafilaxia), podem ser fatais. Além disso, as consequências de um não tratamento, são muito prejudiciais para a qualidade de vida e longevidade. 

Por fim, vale salientar que hábitos como a leitura dos rótulos no supermercado devem se tornar uma realidade na vida das pessoas, especialmente, para quem sofre de qualquer intolerância ou alergia alimentar.

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